Ouvirtude???
"Um dos maiores problemas de comunicação, tanto a de massas como a interpessoal, consiste em descobrir como o outro ouve, se é que houve...
A mesma frase permite diferentes níveis de entendimento. Raras, raríssimas, as pessoas que procuram ouvir exatamente o que a outra está dizendo.
- Em geral o receptor não ouve o que o outro fala. Ouve o que o outro não está dizendo.
- O receptor não ouve o que o outro fala. Ouve o que quer ouvir.
- O receptor não ouve o que o outro fala. Ouve o que já escutara antes e o coloca no que o outro está falando.
- O receptor não ouve o que o outro fala. Ouve o que imagina que o outro ia falar.
- Numa discussão, os discutidores não ouvem o que o outro está falando. Ouvem o que estão pensando para dizer em seguida.
- O receptor não ouve o que o outro fala. Ouve o que gostaria de ouvir ou o que o outro dissesse.
- O receptor não ouve o que o outro fala. Apenas ouve o que está sentindo.
- O receptor não ouve o que o outro fala e, sim, o que já pensava a respeito daquilo.
- O receptor não ouve o que o outro está falando. Ele retira da fala apenas as partes que tenham a ver consigo e: concordem, emocionem, agradem ou molestem.
- O receptor não ouve o que o outro está falando, e, sim, o que confirme ou rejeite o seu próprio pensamento. Vale dizer, transforma-o em objeto de concordância ou discordância.
- O recetor não ouve o que o outro está falando, mas o que possa se adaptar ao impuslo do amor, raiva ou ódio que já sinta pelo emissor. Concordância ou discordância camuflam-se de racionais, porém são empáticas. O mundo é regido tanto pela economia quanto pela empatia. Argumentos são disfarces intelectuais da simpatia...
- O receptor não ouve o que o outro fala e, sim, apenas, os pontos que possam fazer sentido para as idéias e visões que no momento estejam influenciando ou comovendo.
Esse 12 (doze) itens mostram como é raro e difícil conversar. Como é raro e difícil se comunicar! O que há, em geral, são monólogos simultâneos à guisa de conversa, ou monólogos paralelos, à guisa de diálogo. O próprio diálogo pode haver sem que, necessariamente, haja comunicação. Pode haver até um conhecimento a dois sem que necessariamente haja comunicação. Esta só se dá quando ambos os pólos ouvem-se, não, é claro, no sentido material de "escutar", mas no sentido de procurar compreender em sua extensão e profundidade o que o outro está dizendo.
Ouvir, portanto, é muito raro. É necessário limpar a mente de todos os ruídos e interferências do prórpio pensamento durante a fala alheia. O filtro do preconceito não está na mente e sim no ouvido.
Ouvir implica numa entrega ao outro, numa diluição nele. Daí a dificuldade de as pessoas inteligentes efetivamente ouvirem. A inteligência em funcionamento, o hábito de pensar, avaliar, julgar e analisar, interferem, como ruído, na plena recepção do que vem de fora. E mesmo de dentro... Ouvir-se é tão raro e difícil quanto ouvir o outro.
Não é só a inteligência a atrapalhar a plena audiência. Outros elementos pertubam o ouvir. Um deles é o mecanismo de defesa. Há pessoas que se defendem de ouvir o que as outras estão dizendo, por verdadeiro pavor inconsciente de se perderem a si mesmas. Elas precisam "não ouvir" porque "não ouvindo" livram-se da retificação dos próprios pontos de vista, da aceitação de realidades diferentes das próprias, de verdades idens e assim por diante. Livram-se do novo, que é saúde, mas as apavora. Não ouvir é, pois, sólido mecanismo de defesa.
Ouvir é um desafio de abertura interior; de impulso na direção do próximo, comunhão. Ouvir é proeza e virtude. Deveria haver a palavra "ouvirtude"... Ouvir é raridade, ato de sabedoria.
Só depois que se aprende a ouvir começa a sabedoria. Descobre-se, então, o que os outros estão dizendo a propósito de falar..."
Texto retirado do livro "Amor a Si Mesmo" de Artur da Távola (escritor brasileiro)
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Texto retirado do livro "Amor a Si Mesmo" de Artur da Távola (escritor brasileiro)